Entre todas as etapas da encadernação artesanal, colar o miolo é uma das que mais exige delicadeza. O artesão experiente sabe que um deslize na aplicação da cola pode comprometer todo o trabalho: folhas onduladas, bolhas de ar, manchas e desalinhamentos são erros comuns que tiram a harmonia de um caderno que poderia ser perfeito.
Dominar a técnica de colagem é aprender a equilibrar tempo, quantidade e direção dos movimentos. A cola não deve ser vista como um simples adesivo, mas como um material vivo, que reage à umidade, à pressão e até à temperatura do ambiente.
A seguir, você aprenderá um método completo para colar o miolo sem enrugar o papel, garantindo acabamento limpo, simétrico e profissional.
Entendendo o comportamento do papel e da cola
Antes de aplicar qualquer produto, é fundamental compreender como o papel reage à umidade. A cola branca PVA, a mais usada na encadernação é à base de água. Quando entra em contato com o papel, ela pode fazer com que as fibras se dilatem e se retraiam de forma desigual, resultando nas famosas ondulações.
O segredo está em criar um equilíbrio entre adesão e controle de umidade. A cola precisa unir as superfícies sem “molhar” o papel.
Tipos de cola mais usados:
- Cola branca PVA extra: ideal para papel e tecido; seca rapidamente e forma camada flexível.
- Cola de contato (neoprene): usada em capas de couro, mas nunca diretamente sobre o miolo.
- Cola em bastão (temporária): útil apenas para pequenas fixações, não indicada para encadernação permanente.
💡 Dica: sempre teste a cola em um pedaço de papel igual ao do miolo antes de aplicá-la no projeto final.
Preparando o ambiente e os materiais
A colagem do miolo é uma etapa que não permite interrupções. O ambiente deve estar limpo, bem iluminado e livre de correntes de ar (que aceleram a secagem).
Materiais necessários:
- Miolo pronto e aparado.
- Capas cortadas e com as guardas posicionadas.
- Cola branca PVA extra.
- Rolo de espuma ou pincel largo e macio.
- Espátula de silicone ou dobradeira de teflon.
- Paninho seco e liso.
- Pesos ou prensa de encadernação.
💡 Dica profissional: nunca aplique cola com as mãos — isso distribui produto de forma irregular e mancha o papel.
Preparando o miolo para colagem
O miolo deve estar totalmente seco, refilado e alinhado antes de receber qualquer tipo de cola. Folhas mal cortadas ou desalinhadas dificultam a fixação e podem gerar enrugamentos nas bordas.
Passos de preparação:
- Verifique a lombada: ela precisa estar firme, com costura bem tensionada.
- Apare o miolo: use estilete e régua metálica para garantir bordas retas.
- Limpe as laterais: retire resíduos de poeira ou cola antiga com um pincel seco.
- Separe as guardas: são as folhas que farão a transição entre capa e miolo. Elas devem estar dobradas e sem vincos excessivos.
Quando o miolo está limpo e simétrico, a cola se espalha com uniformidade e forma uma ligação duradoura.
Passo a passo da colagem sem enrugar o papel
Fixe o miolo na posição correta
Coloque o miolo centralizado sobre a mesa de trabalho, com a lombada virada para cima. Prenda levemente com presilhas ou prendedores para evitar que ele se mova durante a colagem.
Aplique a cola na lombada
Com um rolo de espuma, espalhe uma camada fina e uniforme de cola branca sobre toda a lombada.
- Faça movimentos de vai e vem horizontais, sem acumular cola nas extremidades.
- Evite “piscinas” de cola, pois o excesso infiltra nas folhas e causa enrugamento.
- A cola deve cobrir toda a superfície, mas sem brilho espesso.
💡 Dica técnica: duas camadas finas sempre são melhores do que uma camada grossa.
Espere o ponto certo de colagem
Aguarde de 30 segundos a 1 minuto até a cola perder o excesso de umidade — ela deve ficar ligeiramente pegajosa ao toque. Esse ponto é essencial para evitar que o papel absorva água demais.
Una a guarda ou a capa
Posicione a folha de guarda sobre o miolo e pressione suavemente do centro para as bordas, usando uma espátula de silicone.
- Faça movimentos longos e contínuos.
- Evite movimentos circulares, que podem puxar o papel e criar rugas.
- Verifique se não há bolhas de ar presas entre as superfícies.
Repita o processo do outro lado
Após fixar uma guarda, repita o procedimento na parte oposta do miolo.
Sempre aplique a cola novamente no ponto certo — nem líquida, nem seca demais.
Retire o excesso
Com um pano seco, limpe qualquer sobra de cola que escapar pelas bordas. A cola PVA, se seca fora do lugar, endurece e cria manchas no acabamento.
Prense o conjunto
Coloque o miolo entre duas folhas de papel manteiga ou kraft (para evitar aderência) e pressione com livros pesados ou prensa por 12 a 24 horas.
Essa etapa é crucial: a pressão garante que a cola seque de forma plana, resultando em um miolo firme e sem ondulações.
Cuidados extras para um acabamento perfeito
Mesmo com a técnica correta, alguns detalhes fazem diferença no resultado final:
- Evite colar em dias muito úmidos. O excesso de umidade no ar impede a secagem uniforme.
- Não use secador ou calor direto. Isso endurece a cola de forma desigual.
- Use papéis de gramatura adequada (90g a 120g). Papéis muito finos absorvem mais umidade e enrugam com facilidade.
- Sempre espere a secagem total antes de montar a capa. Montar antes do tempo pode deslocar o miolo.
Corrigindo pequenos erros
Mesmo com cuidado, pode acontecer de o papel enrugar levemente ou criar pequenas bolhas.
Antes de desistir do projeto, tente recuperar o material:
- Coloque uma folha de papel manteiga sobre a área enrugada.
- Aplique calor suave com ferro morno (sem vapor).
- Pressione levemente por alguns segundos.
- Deixe prensado até esfriar.
Esse truque ajuda a reativar a cola e nivelar o papel, salvando o trabalho.
Quando técnica e paciência se encontram
Colar o miolo é uma etapa que ensina sobre paciência e presença. Cada movimento deve ser consciente o toque, a quantidade de cola, o tempo de espera. O artesão que domina essa etapa entende que não se trata apenas de unir papel e capa, mas de unir intenções: a intenção de fazer bem-feito, de entregar beleza e de criar algo que dure.
Quando o caderno seca, e as páginas se abrem planas, sem rugas, você sente que algo se transformou. A harmonia entre técnica e sensibilidade se revela nas pequenas imperfeições controladas, nas linhas discretas e na sensação tátil de um trabalho artesanal bem executado.
Esse é o momento em que o caderno deixa de ser um objeto e se torna uma extensão do cuidado, a prova viva de que o artesanato é, acima de tudo, uma conversa entre mãos, tempo e propósito.




